domingo, 3 de junho de 2012

Um Filipe Qualquer: um jovem arquitecto em tour pelo mundo


Filipe Magalhães 


o filipe é um arquitecto português nascido no porto em 1987. estudou na faculdade de arquitectura da universidade do porto (faup) durante 5 anos e na fakulteta za arhitekturo em ljulbjana durante um ano. concluiu o seu mestrado em 2011 desenvolvendo a tese 'entre o abstracto e o figurativo'. desde 2005 participa em diversos concursos, projectos e workshops e viaja pela europa. actualmente colabora com o harry gugger em basileia, na suíça. em outubro muda-se para tóquio.

umfilipequalquer.com



ENSINO


APM O tema do ensino ainda é recente para ti, sentiste algum desfasamento entre a preparação escolar e prática profissional no contexto internacional?


FM Completamente. A preparação dada pela faculdade vive dentro de parâmetros académicos, sem qualquer contexto real. Ao começar a trabalhar ‘a sério’ o grande choque é o contacto com o cliente, as limitações orçamentais, os regulamentos, etc. Estes temas são ‘um choque’ porque nunca lidamos de modo nenhum como eles. Sempre nos disseram que existiam, mas nunca tivemos a oportunidade de os compreender devidamente. Além destes problemas, existe também a noção muito clara de que os projectos são ‘reais’, e estão a ser pensados para ser construídos, o que muda também o modo como se olha para o exercício. Não se pode ‘divagar’ (sonhar?) como na faculdade...


APM Que aspectos positivos destacas da tua escola de arquitectura (FAUP) ou do ensino português em geral?


FM Talvez seja uma ideia errada, mas sempre me pareceu que o ‘ensino português de arquitectura’ está umbilicalmente ligado à faup. Os vários modelos de ensino são variantes de algo que há várias décadas se faz no Porto. Evoluções, variantes, degenerações...
Na FAUP, como em quase todas as faculdades, há características boas e más mas destacaria pelo lado positivo o respeito pelo lugar e a clara valorização da função sobre a forma.
Num contexto mais geral acho que em Portugal o estudante de arquitectura é formado para trabalhar em Portugal. Parecendo uma condição mais ou menos natural, é, na minha opinião um erro. Acredito que o ensino devia ser mais abrangente e diversificado dado que (infelizmente) o país não consegue oferecer trabalho suficiente a tantos ‘arquitectos para portugal’. Visto que a emigração é a consequência óbvia, existe um enorme gap entre o que sabemos fazer e o que nos exigem, nomeadamente nos países onde a arquitectura é mais ‘exigente’.


APM Que outros aspectos acrescentarias para a melhoria do mesmo e para uma melhor preparação para a vida profissional?


FM O primeiro passo seria a aceitação de que o ano em vigor é 2012 e não 1970. O computador é uma realidade e as ferramentas que este trouxe são fundamentais. O mundo da arquitectura deu muitas voltas nos últimos 20 anos mas Portugal (ou pelo menos a faup) parece muito ‘provinciano’ e fechado sobre si mesmo. Existe falta de professores convidados de outras escolas e nacionalidades, existe uma necessidade berrante de semestralização do ensino (que inacreditavelmente continua anual), e existem demasiadas ‘velhas glórias’ que tentam criar uma espécie alegoria da caverna... Em suma: existe pouca diversidade, pouca vontade de experimentar novos caminhos e uma acomodação a algo que se sabe que já não faz muito sentido, mas que daria demasiado trabalho a mudar. Ninguém quer sair da sua zona de conforto e prestígio (?) e os principais prejudicados são os alunos.




go.architecture v.03 (48 hours time) ideas competition - oporto, portugal / november 2011 (1st prize)
Filipe Magalhães in collaboration with Ana Luisa Soares

PRÁTICA


APM Falando de prática profissional, e mais concretamente da tua experiência em Basel, quais foram as facilidades e dificuldades principais que encontraste?


FM As referências foram um problema. Portugal é uma espécie de ilha de auto-referenciação e o que vem de fora, se não for “moralmente” aceitável ou simplesmente velho, não interessa. Existe muito conservadorismo. Aqui, em Basileia, nomeadamente nos escritórios que foram produtos da filosofia Herzog & de Meuron, os exercícios de referenciação são fundamentais e, infelizmente, nesse aspecto vim muito mal preparado. Tecnicamente, existe também uma grande limitação... Da faculdade trazemos o conhecimento de desenho e de CAD, mas ferramentas de modelação 3d, Photoshop, paginação, etc, são quase novidades. O nosso contacto com alunos de segundo e terceiro ano suíços são chocantes, dado que todos eles dominam estas ferramentas com uma grande naturalidade.
Aprende-se muito e a sensação que fica é que nos tornamos muito (mas mesmo muito) mais produtivos. Ao fim de um ano a trabalhar com alguns dos melhores do mundo, a ideia que fica é que te tornas muito mais eficiente e capaz.


APM Fala-nos da vida em Basel?


FM Não existe muito que possa dizer. A palavra ‘rotina’ ganhou todo um novo significado... Durante a semana trabalho das 9h às 20h, janto, durmo e pouco mais. Durante o fim de semana, se não trabalhar, o que não é frequente, passeio, leio um livro, vejo um filme. Ir às compras ou tratar da casa são os grandes acontecimentos. Fiz 3 pequenas viagens pela suíça, vi muita arquitectura, mas no geral tive a vida normal de um estagiário em Basileia... muito trabalho e pouca diversão.


APM O que pensas que falta em Portugal para que os jovens arquitectos possam iniciar e exercer a profissão?


FM Iniciativa, trabalho, menos arquitectos e um maior respeito da sociedade pela nossa profissão. Muita gente ainda olha para nós como uns ‘tipos que fazem umas casinhas e ainda por cima são caros!’.
Como exemplo oposto, na suíça, todas as obras (desde grandes equipamentos até pequenas moradias) são produtos de concursos e os arquitectos são vistos como profissionais de algo que é imprescindível e valorizado. A mentalidade aqui é completamente diferente e isso nota-se na quantidade de jovens arquitectos com muita (e boa) obra construída.


APM Qual o reconhecimento que tens observado internacionalmente dos arquitectos ou arquitectura portuguesa?


FM A arquitectura portuguesa está parada no tempo. Essa é a ideia geral com que fico. No entanto nomes como os de Siza Vieira, Souto de Moura ou Aires Mateus oferecem uma certa credibilidade. Em Portugal é frequente confundir-se a qualidade geral da arquitectura com a ‘qualidade’ destes nomes, mas, aqui, existe uma clara separação dos dois.


APM Ser Português é limitador?


FM Só se quiseres que seja.




polikatoikea, re-build ideas competition - oporto, portugal / december 2011 (1st prize)
Filipe Magalhães in collaboration with Ana Luisa Soares

FUTURO


APM Encaras a emigração como uma inevitabilidade para os jovens arquitectos ou como uma oportunidade de adquirir e coleccionar experiências essenciais para a formação com intenção de retorno ao nosso país?


FM A emigração é a melhor coisa que pode acontecer a um jovem arquitecto, em ambos os casos. Sair do país e ver outras escolas, métodos, nomes, ideias, processos, etc, e posteriormente voltar com outra ‘embalagem’ é a única maneira de superar o gap existente entre o presente e o que as faculdades nos ensinam.


APM Consideras a possibilidade de voltar a trabalhar em Portugal num futuro próximo?


FM Sim.
Em outubro vou para Tóquio, durante um ano, e planeio viajar pelo país e trabalhar em diversos ateliers por períodos curtos de tempo. Sou Fujimoto, Ryue Nishizawa, Toyo Ito... Depois, Nova Iorque (mas ainda tenho que pensar em que moldes). Daqui a 2/3 anos Porto: quero ter algo meu, um atelier pequeno mas dinâmico, em conjunto com um ou dois amigos.


APM Por último e em jeito de brincadeira, porquê Um Filipe Qualquer?


FM Porque o tempo em que existiam nomes que não ‘uns quaisquer’ já vai longe. Existe “um Álvaro específico” e “um Eduardo específico” mas, à parte destes, pouco mais... O futuro vai ser um lugar engraçado. apm




schools in the sky, "rooftops: why not?" ideas competition - new york, usa / jan 2012 (honorable mention)
Filipe Magalhães in collaboration with Ana Luisa Soares and André Vergueiro



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A equipa dos Arquitectos Portugueses no Mundo, agradece ao Arquitecto Filipe Magalhães a disponibilidade para a realização desta entrevista e a partilha do seu testemunho. 
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